MEDIDA CAUTELAR INOMINADO
N.5006166-22.2012.404.7201/SC
REQUERENTE:MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REQUERIDO: ESTADO DE SANTA CATARINA
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
SECÇÃO DE SANTA CATARINA
DECISÃO (LIMINAR/ANTECIPAÇÃO DA TUTELA)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
e a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO propuseram
a presente medida cautelar inominada contra a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
- SC E ESTADO DE SANTA CATARINA, com a qual requerem, em provimento
liminar, a determinação judicial no sentido de que os réus mantenham, até o
advento do prazo de 12 meses estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, ou
antes, se for criada a Defensoria Pública Estadual dentro do período, o
serviço de defensoria dativa do Estado, especialmente na Subseção
Judiciária de Joinville.
Narram, em sua inicial que, no
dia 08 de maio de 2012, no salão do Tribunal de Júri do Fórum da Comarca de
Joinville, os advogados registrados e que atuavam na Subseção de Joinville
reuniram-se em assembleia geral extraordinária, ocasião em que resolveram
atender à Recomendação do Colégio de Presidentes de Subseções, exarada em
Laguna no dia 23-03-2012, e decidiram suspender, a partir do dia 14-05-2012, o
serviço de triagem da defensoria dativa, mantida pela OAB na Secretaria de
Assistência Social do Município.
Fundamentam sua pretensão no
art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal e no art. 1º da Lei Complementar
Estadual nº 155, de 15-04-1997. Destacam a invalidade dos fundamentos
justificadores para a interrupção do serviço, bem como a eficácia diferida
conferida à Lei complementar pelo Supremo Tribunal Federal.
Defendem, ainda, que a
existência de dívida do Estado com a OAB/SC não pode ser utilizada como razão para
a suspensão de um serviço essencial.
Requerem, em provimento
liminar, a ordem judicial para que a OAB/SC e o Estado de Santa Catarina
mantenham até o advento do prazo de 12 (doze) meses estabelecidos pelo STF, ao
julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº. 3892 e nº. 4270, ou antes,
caso seja criada a Defensoria Pública Estadual, de modo regular, nos termos da
LCE 155/1997, o serviço de defensoria dativa no Estado, especialmente na
Subseção Judiciária de Joinville, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, a
ser aplicada na pessoa do Presidente da OAB/SC e do Governador do Estado.
Em
requerimento final, pleiteiam a confirmação da liminar.
Vieram os autos conclusos.
No evento 3, determinou-se a
intimação dos requeridos para que se manifestassem acerca do pedido liminar
(evento 3).
No evento 7, o Estado de Santa
Catarina apresentou manifestação segundo a qual assevera sua ilegitimidade
passiva, pois não há sua participação no ato que suspendeu o serviço de triagem
da defensoria dativa. Destaca que de acordo com a Lei Complementar Estadual nº
155/97, a manutenção regular do serviço de defensoria dativa não é obrigação
legal do Estado de Santa Catarina. Defende que o Estado de Santa Catarina não
atuou, tampouco está atuando de modo inconstitucional, porquanto a lei é ainda
constitucional e, não se pode exigir conduta diversa da Administração Pública
neste sentido. Expirado o prazo estipulado pelo STF, a partir de então, pode-se
lhe imputar uma responsabilidade e, por conseguinte, a legitimidade do Estado
de Santa Catarina. Para o Estado, a LCE 155/97 impõe a obrigação à OAB/SC, e
somente a esta cabe a legitimidade para estar na presente demanda. Destaca que
a medida processual pertinente não seria a presente Medida Cautelar, mas sim
Reclamação no STF, cabível para 'garantir a autoridade das suas decisões', nos
termos do art. 13 da Lei Federal n. 8.038/1990. No mérito, destaca o
despropósito do pedido, com o qual os autores buscam compelir o Estado de Santa
Catarina ao exercício de uma atribuição que, por disposição legal, é de
terceiro. Apregoa, ainda, a evidente impossibilidade material de cumprimento de
uma decisão desfavorável. Indica que os autores não comprovaram o perigo de
dano existente, pois não colacionaram provas suficientes que demonstrassem que
a população carente poderia estar sendo prejudicada pela ausência do serviço de
defensoria dativa. Alega que, diante da instalação da Defensoria Pública da
União em Joinville, eventual demanda poderia ser recebida pela DPU, nos termos
do art. 14, § 2º, da Lei Complementar nº 80/1994. Sobre o débito existente,
colaciona documentos que demonstram o repasse à OAB/SC do valor médio mensal de
R$ 1.900.000,00 (um milhão novecentos mil reais), bem como a existência de
dotação orçamentária prevista para o ano de 2012 no valor total de R$
26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais). Destaca que o débito existente
será devidamente pago. Requer seja indeferido o pedido de cominação de multa
diária. Como pedido subsidiário, na improvável hipótese de deferir-se a medida
postulada, requer seja reduzida a cominação, em obediência aos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade.
No evento 9, a Defensoria
Pública da União colaciona documentos.
A Ordem dos Advogados do Brasil
apresentou manifestação no evento 10. Destaca, em sua peça, a natureza
satisfativa da demanda e a inadequação da via cautelar. Alega sua ilegitimidade
passiva, porquanto a decisão de suspensão dos serviços de defensoria dativa não
foi uma imposição da Instituição, mas decidida em assembleia pelos advogados
que integram a
Subseção
da OAB em Joinville. Indica que a defensoria dativa, nos moldes da Lei
Complementar Estadual 155/97, está sendo mantida pela OAB/SC, como também pelo
Estado de Santa Catarina. Ocorre que em determinados municípios, dentre os
quais Joinville, os próprios advogados decidiram suspender tais serviços, não
aceitando atuar em novas ações, ante a incerteza do recebimento dos honorários
em processos futuros. Apregoa que as listas contendo advogados inscritos para
prestação de defensoria dativa estão à disposição no respectivo sistema e podem
ser consultados pelos magistrados, os quais também podem proceder às nomeações
diretamente pelo sistema. A OAB/SC, tampouco outro órgão ou entidade, não detém
poder para compelir os advogados a aceitarem novos processos da defensoria
dativa, porquanto o exercício da advocacia é ato personalíssimo, sendo que a
não aceitação de atuação em novos processos foi decidida, de forma legítima, em
assembleia de advogados. Defende a ausência de ente federal legítimo para
cumprir eventual determinação judicial, tampouco interesse federal ou
substituição legítima pelo Ministério Público Federal. A propositura da
presente ação extrapola o campo de atuação do Ministério Público Federal,
porque versa sobre processos de competência da Justiça Estadual. Da mesma forma
contesta a legitimidade da Defensoria Dativa da União. Requer o indeferimento
da inicial.
É o que consta dos autos.
Passo a decidir.
A pretensão dos autores possui
como pano de fundo a interrupção dos serviços de defensoria dativa no Município
de Joinville aos que dela necessitarem.
A presente medida cautelar
busca essencialmente a tutela de remoção do ilícito, com vistas a eliminar os
efeitos concretos posteriores à prática da ação adversada. A pretensão carreada
aos autos, portanto, é satisfativa, razão pela qual não se reveste da
instrumentalidade característica à tutela cautelar.
No ponto, cumpre transcrever os
ensinamentos de Marinoni e Arenhart, nestes termos:
A tutela de remoção deve ser
buscada através de ação estruturada com base nas técnicas dos arts. 461 do CPC
e 84 do CDC. Portanto, de ação de conhecimento dotada de técnicas processuais
idôneas à obtenção de tutela específica, gênero em que está inserida a tutela
de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória.
Como está claro, a ação
cautelar não é adequada para a prestação da tutela de remoção do ilícito. Essa
tutela, assim como a inibitória, não pode ser considerada instrumento de
nenhuma das tutelas satisfativas do direito material como a ressarcitória. As
tutelas inibitórias e de remoção do ilícito não se caracterizam pela
instrumentalidade, não sendo marcadas pela referibilidade a uma outra tutela,
e, muito menos, podem ser visualizadas a partir da indispensabilidade da
propositura da 'ação principal'. (MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio
Cruz. Processo Cautelar, 2ª Ed. São Paulo: RT, 2010, pag. 86).
Assim,
a presente medida cautelar corresponde, na verdade, a pedido para concessão de
tutela específica prevista no art. 461, caput e § 3º, do Código de
Processo Civil.
Para tanto, diante dos
contornos coletivos da demanda, a ação seguirá o rito previsto pela Lei nº
7.347, de 1985, que disciplina a ação civil pública.
Quanto à alegação apresentada
pelo Estado de Santa Catarina de que a medida processual pertinente não seria a
presente Medida Cautelar, mas Reclamação no STF, certo é que a previsão desse
instrumento não obsta o acesso aos meios ordinários. Portanto, não merece
acolhimento a alegação apresentada.
No que diz às partes presentes
no processo, mostra-se legítima a composição da lide.
Em primeiro plano, reconheço a
legitimidade ativa dos requerentes, a considerar a ligação intrínseca da
Defensoria Pública com o instituto da Assistência Judiciária, bem como a
natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, concebida como autarquia
federal. Dessa forma, é competente a Justiça Federal, o que legitima, ainda, a
atuação do Ministério Público Federal, na condição de substituto processual.
Da mesma forma, os requeridos
detêm legitimidade para a causa, tendo em vista que a prestação de assistência
jurídica integral e gratuita aos necessitados consubstancia uma relação
jurídica unitária entre o Estado de Santa Catarina e a OAB/SC.
No que diz especificamente ao Estado
de Santa Catarina, sua legitimidade se extrai da disposição literal do inciso
LXXIV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual: o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos. Por esta razão, diante da alegação de inércia do Estado frente à
suspensão do serviço de defensoria dativa, a legitimidade do referido ente é
inafastável.
As demais alegações alusivas à
ilegitimidade confundem-se com mérito propriamente dito, cuja análise faço a seguir.
Nos termos do § 3º do art. 461
do CPC, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é possível a concessão da tutela liminarmente
ou mediante justificação prévia, citado o réu.
Entendo como relevante o
fundamento da demanda, bem como a urgência da medida.
Com
efeito, a consagrada indispensabilidade do advogado prevista no art. 133 da
Constituição da República Federativa do Brasil, além de representar
indiscutível prerrogativa constitucional, também atribui múnus público aos que
exercem a nobre profissão, os quais deverão estar regularmente inscritos na
Ordem dos Advogados do Brasil:
Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da
justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da
profissão, nos limites da lei.
Por sua vez, o já transcrito
art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal obriga o Estado a prover assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
O modelo adotado pelo Estado de
Santa Catarina, que não implementou a Defensoria Pública no Estado e, para fins
de assistência jurídica aos necessitados, atribuiu à Ordem dos Advogados do
Brasil o papel de indicar advogados dativos, na forma da Lei Complementar Estadual
nº 155/97, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado em duas Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, autuadas sob os números 3892 e 4270, ajuizadas
pela Associação Nacional dos Defensores Públicos da União - ANDPU e pela
Associação Nacional dos Defensores Públicos - Anadep, para declarar, com
eficácia diferida a partir de doze meses, a inconstitucionalidade do art. 104
da Constituição do Estado de Santa Catarina e a Lei Complementar 155/97 dessa
mesma unidade federada.
Nestes termos:
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do
Relator, julgou procedente a ação direta, com eficácia diferida a partir de 12
(doze) meses, a contar desta data, contra o voto do Senhor Ministro Marco
Aurélio, que pronunciava a inconstitucionalidade com eficácia ex tunc. Votou o
Presidente, Ministro Cezar Peluso. Ausente, neste julgamento, o Senhor Ministro
Gilmar Mendes. Falaram, pela requerente Associação Nacional dos Defensores
Públicos da União-ANDPU (ADIs 3.892 e 4.270), o Dr. Rafael de Cás Maffini; pela
requerente Associação Nacional dos Defensores Públicos-ANADEP (ADI 4270), o Dr.
André Castro; pelo interessado Governador do Estado de Santa Catarina (ADI
3892), o Dr. Fernando Filgueiras, Procurador do Estado; pelo amicus curie
Associação Juízes para a Democracia (ADI 4270), o Dr. Sérgio Sérvulo da Cunha;
pelos amici curiae (ADI 4270) Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono e
Instituto Terra Trabalho e Cidadania, o Dr. Marcos Fuchs; e, pelo Ministério
Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel
Santos. Plenário, 14.03.2012.
Da análise do julgado do STF,
verifica-se que a Lei Complementar Estadual nº 155/97, portanto, permanece
plenamente eficaz até que decorra o prazo estabelecido na decisão ou até que
seja instituída a Defensoria Pública do Estado, desde que antes do término do
referido prazo.
Diante
desse cenário e, principalmente, diante do temor de não receber os honorários
devidos, suspendeu-se, em 08 de maio de 2012, o serviço de triagem da
defensoria dativa, mantido pela OAB em Joinville.
Em que pesem as alegações
apresentadas pelos requeridos, notadamente a de que não poderiam obrigar
pessoalmente os profissionais a atuarem na qualidade de dativos, certo é que a
deliberação de interrupção da triagem, tomada em assembléia geral, pode sim ser
imputada à OAB/SC, a qual, sob o beneplácito da inércia do Estado de Santa
Catarina, deixou à míngua aqueles que necessitam da assistência jurídica.
Ora, não se discute o fato de
que os advogados, individualmente considerados, não podem ser compelidos a
prestar o serviço de defensoria dativa. Entretanto, isso não a autoriza a
Subseção local da OAB a interromper o serviço de triagem previsto em lei,
cabendo a cada advogado escolher manter-se ou não cadastrado para fins de
atendimento aos necessitados.
Nessa senda, tendo em vista a
imprescindibilidade do serviço de assistência jurídica, devem os requeridos
buscar equacionar a questão dos pagamentos pendentes e estabelecer, de forma
racional, a transição dos serviços até então prestados pelos defensores dativos
indicados pela OAB/SC para a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, sem
comprometimento da continuidade dos serviços.
Dessa forma, compete à OAB
manter a regularidade do serviço de triagem, tendo em vista que a Lei
Complementar Estadual nº 155, de 1997, permanece eficaz.
De se registrar, ainda, que,
segundo as informações apresentadas pelo Estado, há transferência mensal de
valores destinados ao pagamento dos honorários da defensoria dativa, e, da
mesma forma, há o compromisso de honrar o passivo existente. Assim, parece-me
que a negociação entre a OAB e o Estado de Santa Catarina é perfeitamente
possível, não se extraindo das informações prestadas pelas partes justificativa
para a adoção da medida extrema de interrupção do serviço.
Por fim, cumpre destacar o
disposto na Lei nº 8.906, de 1994, notadamente em seus arts. 2º, § 1º, e 3º,
segundo os quais:
Art. 2º O advogado é
indispensável à administração da justiça.
§ 1º No seu ministério
privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
Art. 3º O exercício da
atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são
privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Portanto, sopesados os direitos
e garantias constitucionais em comento, bem como a indispensabilidade do
advogado, que presta, em seu
mister,
serviço público, desempenhando relevante função social, a pretensão da
Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal merece acolhimento.
Ante o exposto, DEFIRO, em
parte, o pedido liminar formulado na inicial para que a OAB/SC e o Estado de
Santa Catarina mantenham até o advento do prazo de 12 (doze) meses
estabelecidos pelo STF, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº.
3892 e nº. 4270, ou antes, caso seja criada a Defensoria Pública Estadual, o
serviço de defensoria dativa no Município de Joinville, nos termos da LCE
155/1997, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Assino o prazo de 15
(quinze) dias para o cumprimento da medida pelos requeridos.
Citem-se.
Intimem-se.
Intime-se, ainda, pessoalmente
o Representante da Subseção Judiciária da OAB em Joinville, servindo a presente
decisão como mandado de intimação.
Retifique-se a autuação do
presente feito, para fazer constar a classe do processo como ação civil
pública.
Joinville, 29 de maio de 2012.
GIOVANA GUIMARÃES CORTEZ - Juiza Federal Substituta