quarta-feira, 30 de maio de 2012

Decisão sobre o serviço de defensoria dativa do Estado

MEDIDA CAUTELAR INOMINADO
N.5006166-22.2012.404.7201/SC
REQUERENTE:MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REQUERIDO: ESTADO DE SANTA CATARINA
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
SECÇÃO DE SANTA CATARINA

DECISÃO (LIMINAR/ANTECIPAÇÃO DA TUTELA)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO propuseram a presente medida cautelar inominada contra a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SC E ESTADO DE SANTA CATARINA, com a qual requerem, em provimento liminar, a determinação judicial no sentido de que os réus mantenham, até o advento do prazo de 12 meses estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, ou antes, se for criada a Defensoria Pública Estadual dentro do período, o serviço de defensoria dativa do Estado, especialmente na Subseção Judiciária de Joinville.
Narram, em sua inicial que, no dia 08 de maio de 2012, no salão do Tribunal de Júri do Fórum da Comarca de Joinville, os advogados registrados e que atuavam na Subseção de Joinville reuniram-se em assembleia geral extraordinária, ocasião em que resolveram atender à Recomendação do Colégio de Presidentes de Subseções, exarada em Laguna no dia 23-03-2012, e decidiram suspender, a partir do dia 14-05-2012, o serviço de triagem da defensoria dativa, mantida pela OAB na Secretaria de Assistência Social do Município.
Fundamentam sua pretensão no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal e no art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 155, de 15-04-1997. Destacam a invalidade dos fundamentos justificadores para a interrupção do serviço, bem como a eficácia diferida conferida à Lei complementar pelo Supremo Tribunal Federal.
Defendem, ainda, que a existência de dívida do Estado com a OAB/SC não pode ser utilizada como razão para a suspensão de um serviço essencial.
Requerem, em provimento liminar, a ordem judicial para que a OAB/SC e o Estado de Santa Catarina mantenham até o advento do prazo de 12 (doze) meses estabelecidos pelo STF, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº. 3892 e nº. 4270, ou antes, caso seja criada a Defensoria Pública Estadual, de modo regular, nos termos da LCE 155/1997, o serviço de defensoria dativa no Estado, especialmente na Subseção Judiciária de Joinville, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, a ser aplicada na pessoa do Presidente da OAB/SC e do Governador do Estado.
Em requerimento final, pleiteiam a confirmação da liminar.
Vieram os autos conclusos.
No evento 3, determinou-se a intimação dos requeridos para que se manifestassem acerca do pedido liminar (evento 3).
No evento 7, o Estado de Santa Catarina apresentou manifestação segundo a qual assevera sua ilegitimidade passiva, pois não há sua participação no ato que suspendeu o serviço de triagem da defensoria dativa. Destaca que de acordo com a Lei Complementar Estadual nº 155/97, a manutenção regular do serviço de defensoria dativa não é obrigação legal do Estado de Santa Catarina. Defende que o Estado de Santa Catarina não atuou, tampouco está atuando de modo inconstitucional, porquanto a lei é ainda constitucional e, não se pode exigir conduta diversa da Administração Pública neste sentido. Expirado o prazo estipulado pelo STF, a partir de então, pode-se lhe imputar uma responsabilidade e, por conseguinte, a legitimidade do Estado de Santa Catarina. Para o Estado, a LCE 155/97 impõe a obrigação à OAB/SC, e somente a esta cabe a legitimidade para estar na presente demanda. Destaca que a medida processual pertinente não seria a presente Medida Cautelar, mas sim Reclamação no STF, cabível para 'garantir a autoridade das suas decisões', nos termos do art. 13 da Lei Federal n. 8.038/1990. No mérito, destaca o despropósito do pedido, com o qual os autores buscam compelir o Estado de Santa Catarina ao exercício de uma atribuição que, por disposição legal, é de terceiro. Apregoa, ainda, a evidente impossibilidade material de cumprimento de uma decisão desfavorável. Indica que os autores não comprovaram o perigo de dano existente, pois não colacionaram provas suficientes que demonstrassem que a população carente poderia estar sendo prejudicada pela ausência do serviço de defensoria dativa. Alega que, diante da instalação da Defensoria Pública da União em Joinville, eventual demanda poderia ser recebida pela DPU, nos termos do art. 14, § 2º, da Lei Complementar nº 80/1994. Sobre o débito existente, colaciona documentos que demonstram o repasse à OAB/SC do valor médio mensal de R$ 1.900.000,00 (um milhão novecentos mil reais), bem como a existência de dotação orçamentária prevista para o ano de 2012 no valor total de R$ 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais). Destaca que o débito existente será devidamente pago. Requer seja indeferido o pedido de cominação de multa diária. Como pedido subsidiário, na improvável hipótese de deferir-se a medida postulada, requer seja reduzida a cominação, em obediência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
No evento 9, a Defensoria Pública da União colaciona documentos.
A Ordem dos Advogados do Brasil apresentou manifestação no evento 10. Destaca, em sua peça, a natureza satisfativa da demanda e a inadequação da via cautelar. Alega sua ilegitimidade passiva, porquanto a decisão de suspensão dos serviços de defensoria dativa não foi uma imposição da Instituição, mas decidida em assembleia pelos advogados que integram a
Subseção da OAB em Joinville. Indica que a defensoria dativa, nos moldes da Lei Complementar Estadual 155/97, está sendo mantida pela OAB/SC, como também pelo Estado de Santa Catarina. Ocorre que em determinados municípios, dentre os quais Joinville, os próprios advogados decidiram suspender tais serviços, não aceitando atuar em novas ações, ante a incerteza do recebimento dos honorários em processos futuros. Apregoa que as listas contendo advogados inscritos para prestação de defensoria dativa estão à disposição no respectivo sistema e podem ser consultados pelos magistrados, os quais também podem proceder às nomeações diretamente pelo sistema. A OAB/SC, tampouco outro órgão ou entidade, não detém poder para compelir os advogados a aceitarem novos processos da defensoria dativa, porquanto o exercício da advocacia é ato personalíssimo, sendo que a não aceitação de atuação em novos processos foi decidida, de forma legítima, em assembleia de advogados. Defende a ausência de ente federal legítimo para cumprir eventual determinação judicial, tampouco interesse federal ou substituição legítima pelo Ministério Público Federal. A propositura da presente ação extrapola o campo de atuação do Ministério Público Federal, porque versa sobre processos de competência da Justiça Estadual. Da mesma forma contesta a legitimidade da Defensoria Dativa da União. Requer o indeferimento da inicial.
É o que consta dos autos.
Passo a decidir.
A pretensão dos autores possui como pano de fundo a interrupção dos serviços de defensoria dativa no Município de Joinville aos que dela necessitarem.
A presente medida cautelar busca essencialmente a tutela de remoção do ilícito, com vistas a eliminar os efeitos concretos posteriores à prática da ação adversada. A pretensão carreada aos autos, portanto, é satisfativa, razão pela qual não se reveste da instrumentalidade característica à tutela cautelar.
No ponto, cumpre transcrever os ensinamentos de Marinoni e Arenhart, nestes termos:
A tutela de remoção deve ser buscada através de ação estruturada com base nas técnicas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Portanto, de ação de conhecimento dotada de técnicas processuais idôneas à obtenção de tutela específica, gênero em que está inserida a tutela de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória.
Como está claro, a ação cautelar não é adequada para a prestação da tutela de remoção do ilícito. Essa tutela, assim como a inibitória, não pode ser considerada instrumento de nenhuma das tutelas satisfativas do direito material como a ressarcitória. As tutelas inibitórias e de remoção do ilícito não se caracterizam pela instrumentalidade, não sendo marcadas pela referibilidade a uma outra tutela, e, muito menos, podem ser visualizadas a partir da indispensabilidade da propositura da 'ação principal'. (MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar, 2ª Ed. São Paulo: RT, 2010, pag. 86).
Assim, a presente medida cautelar corresponde, na verdade, a pedido para concessão de tutela específica prevista no art. 461, caput e § 3º, do Código de Processo Civil.
Para tanto, diante dos contornos coletivos da demanda, a ação seguirá o rito previsto pela Lei nº 7.347, de 1985, que disciplina a ação civil pública.
Quanto à alegação apresentada pelo Estado de Santa Catarina de que a medida processual pertinente não seria a presente Medida Cautelar, mas Reclamação no STF, certo é que a previsão desse instrumento não obsta o acesso aos meios ordinários. Portanto, não merece acolhimento a alegação apresentada.
No que diz às partes presentes no processo, mostra-se legítima a composição da lide.
Em primeiro plano, reconheço a legitimidade ativa dos requerentes, a considerar a ligação intrínseca da Defensoria Pública com o instituto da Assistência Judiciária, bem como a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, concebida como autarquia federal. Dessa forma, é competente a Justiça Federal, o que legitima, ainda, a atuação do Ministério Público Federal, na condição de substituto processual.
Da mesma forma, os requeridos detêm legitimidade para a causa, tendo em vista que a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados consubstancia uma relação jurídica unitária entre o Estado de Santa Catarina e a OAB/SC.
No que diz especificamente ao Estado de Santa Catarina, sua legitimidade se extrai da disposição literal do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual: o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Por esta razão, diante da alegação de inércia do Estado frente à suspensão do serviço de defensoria dativa, a legitimidade do referido ente é inafastável.
As demais alegações alusivas à ilegitimidade confundem-se com mérito propriamente dito, cuja análise faço a seguir.
Nos termos do § 3º do art. 461 do CPC, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é possível a concessão da tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu.
Entendo como relevante o fundamento da demanda, bem como a urgência da medida.
Com efeito, a consagrada indispensabilidade do advogado prevista no art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil, além de representar indiscutível prerrogativa constitucional, também atribui múnus público aos que exercem a nobre profissão, os quais deverão estar regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil:
Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Por sua vez, o já transcrito art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal obriga o Estado a prover assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
O modelo adotado pelo Estado de Santa Catarina, que não implementou a Defensoria Pública no Estado e, para fins de assistência jurídica aos necessitados, atribuiu à Ordem dos Advogados do Brasil o papel de indicar advogados dativos, na forma da Lei Complementar Estadual nº 155/97, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, autuadas sob os números 3892 e 4270, ajuizadas pela Associação Nacional dos Defensores Públicos da União - ANDPU e pela Associação Nacional dos Defensores Públicos - Anadep, para declarar, com eficácia diferida a partir de doze meses, a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina e a Lei Complementar 155/97 dessa mesma unidade federada.
Nestes termos:
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta, com eficácia diferida a partir de 12 (doze) meses, a contar desta data, contra o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, que pronunciava a inconstitucionalidade com eficácia ex tunc. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Ausente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Falaram, pela requerente Associação Nacional dos Defensores Públicos da União-ANDPU (ADIs 3.892 e 4.270), o Dr. Rafael de Cás Maffini; pela requerente Associação Nacional dos Defensores Públicos-ANADEP (ADI 4270), o Dr. André Castro; pelo interessado Governador do Estado de Santa Catarina (ADI 3892), o Dr. Fernando Filgueiras, Procurador do Estado; pelo amicus curie Associação Juízes para a Democracia (ADI 4270), o Dr. Sérgio Sérvulo da Cunha; pelos amici curiae (ADI 4270) Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono e Instituto Terra Trabalho e Cidadania, o Dr. Marcos Fuchs; e, pelo Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Plenário, 14.03.2012.
Da análise do julgado do STF, verifica-se que a Lei Complementar Estadual nº 155/97, portanto, permanece plenamente eficaz até que decorra o prazo estabelecido na decisão ou até que seja instituída a Defensoria Pública do Estado, desde que antes do término do referido prazo.
Diante desse cenário e, principalmente, diante do temor de não receber os honorários devidos, suspendeu-se, em 08 de maio de 2012, o serviço de triagem da defensoria dativa, mantido pela OAB em Joinville.
Em que pesem as alegações apresentadas pelos requeridos, notadamente a de que não poderiam obrigar pessoalmente os profissionais a atuarem na qualidade de dativos, certo é que a deliberação de interrupção da triagem, tomada em assembléia geral, pode sim ser imputada à OAB/SC, a qual, sob o beneplácito da inércia do Estado de Santa Catarina, deixou à míngua aqueles que necessitam da assistência jurídica.
Ora, não se discute o fato de que os advogados, individualmente considerados, não podem ser compelidos a prestar o serviço de defensoria dativa. Entretanto, isso não a autoriza a Subseção local da OAB a interromper o serviço de triagem previsto em lei, cabendo a cada advogado escolher manter-se ou não cadastrado para fins de atendimento aos necessitados.
Nessa senda, tendo em vista a imprescindibilidade do serviço de assistência jurídica, devem os requeridos buscar equacionar a questão dos pagamentos pendentes e estabelecer, de forma racional, a transição dos serviços até então prestados pelos defensores dativos indicados pela OAB/SC para a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, sem comprometimento da continuidade dos serviços.
Dessa forma, compete à OAB manter a regularidade do serviço de triagem, tendo em vista que a Lei Complementar Estadual nº 155, de 1997, permanece eficaz.
De se registrar, ainda, que, segundo as informações apresentadas pelo Estado, há transferência mensal de valores destinados ao pagamento dos honorários da defensoria dativa, e, da mesma forma, há o compromisso de honrar o passivo existente. Assim, parece-me que a negociação entre a OAB e o Estado de Santa Catarina é perfeitamente possível, não se extraindo das informações prestadas pelas partes justificativa para a adoção da medida extrema de interrupção do serviço.
Por fim, cumpre destacar o disposto na Lei nº 8.906, de 1994, notadamente em seus arts. 2º, § 1º, e 3º, segundo os quais:
Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Portanto, sopesados os direitos e garantias constitucionais em comento, bem como a indispensabilidade do advogado, que presta, em seu
mister, serviço público, desempenhando relevante função social, a pretensão da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal merece acolhimento.
Ante o exposto, DEFIRO, em parte, o pedido liminar formulado na inicial para que a OAB/SC e o Estado de Santa Catarina mantenham até o advento do prazo de 12 (doze) meses estabelecidos pelo STF, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº. 3892 e nº. 4270, ou antes, caso seja criada a Defensoria Pública Estadual, o serviço de defensoria dativa no Município de Joinville, nos termos da LCE 155/1997, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Assino o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento da medida pelos requeridos.
Citem-se.
Intimem-se.
Intime-se, ainda, pessoalmente o Representante da Subseção Judiciária da OAB em Joinville, servindo a presente decisão como mandado de intimação.
Retifique-se a autuação do presente feito, para fazer constar a classe do processo como ação civil pública.
Joinville, 29 de maio de 2012.
GIOVANA GUIMARÃES CORTEZ - Juiza Federal Substituta
 


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